Origem e evolução da profissão e da actividade na hotelaria e turismo
(horário, remuneração, estatuto social, organização de classe)
Por Américo Nunes
INDICE
Introdução
Horário de trabalho
Remuneração do Trabalho
As mulheres na profissão
Organização de classe e inserção no movimento sindical
- Do fim da monarquia a fim da 1ª república
- No período do fascismo
- Do 25 de Abril à actualidade
Introdução
Servos, lacaios, criados e criadas, criados de mesa, cozinheiros, porteiros, são profissões que remontam seguramente aos primórdios da história. Porque desenvolvem actividades com vista à satisfação de necessidades básicas, como a alimentação, as condições para descansar e dormir, a facultação do lazer. Onde quer que se ergueu um palácio, se constituiu uma família de casa abastada, foram seleccionados escravos e servos, ou contratados criados e criadas para lhes fazerem a comida, as camas, limparem a casa.
Nos exércitos, aquartelados ou em batalha, há os que tratam da questão estratégica das provisões alimentares e da sua confecção e distribuição. Com o advento das trocas comerciais e a circulação de mercadorias e pessoas começaram a surgir albergarias, pousadas, estalagens, pensões, hotéis, tabernas, botequins, restaurantes e cantinas, para abrigar e alimentar viajantes, negociantes, os animais de carga e transporte, viajantes, peregrinos e turistas. Vejam-se ainda hoje as imponentes fortalezas que são as pousadas, edificadas a um dia de jornada cada, na histórica rota da seda, por onde chegavam ao ocidente, por terra, as mercadorias provenientes do oriente, antes dos descobrimentos marítimos.
Remontam pelo menos ao tempo dos romanos, as termas e as caldas, para os banhos e tratamento de águas, actividades onde se vieram a edificar alguns dos primeiros hotéis comerciais.
Mas foi com o aparecimento da máquina a vapor e o desenvolvimento explosivo dos transportes colectivos, primeiro com o comboio e o barco a vapor, no século XIX, e depois com o avião, no século XX, que proporcionaram a deslocação rápida de grandes massas de pessoas para qualquer parte do mundo, que a restauração, a hotelaria e o turismo se transformaram numa das principais actividades económicas mundiais, empregando dezenas de milhões de trabalhadores, na hotelaria e restauração em centros urbanos, rotas e caminhos, aeroportos, comboios e navios, estâncias balneares, de lazer e jogo.
Como a raiz da profissão e o seu percurso dominante durante milénios foi o trabalho doméstico, horário de trabalho, remuneração, estatuto profissional e social, e organização do trabalho, foram condicionados pelas características e origem deste tipo trabalho, o que atrasou a transição para a condição de assalariados e consequentemente a sua organização de classe.
Mas as motivações e razões para a sua organização e luta, embora mais tardias, são as mesmas do restante proletariado. A entreajuda ou solidariedade, primeiro, nas situações de infortúnio e depois, na luta; a redução da jornada de trabalho; a remuneração e a dignificação do trabalho; o combate ao desemprego e pelo direito ao trabalho; e na nossa época histórica também a luta pela igualdade das mulheres no trabalho. Eixos principais da movimentação e organização dos trabalhadores, que emergiram em simultâneo com o advento do capitalismo industrial no século XIX, e que como é bom de ver, continuam a ser básicos e plenos de actualidade, acrescentados de outros, inerentes à evolução da sociedade.
Horário de trabalho
Desde tempos remotos, enquanto no duro trabalho do campo, e noutras actividades exteriores, o horário era de sol a sol, todos os dias da semana, do mês e do ano. No trabalho adentro de casa, em regra mais leve, e relativamente à maioria dos trabalhadores produtivos melhor remunerado até à erupção da sociedade capitalista, a disponibilidade do criado, que pernoitava adentro portas ou em anexos, era de 24 horas por dia, ao serviço do senhor, patrão ou patroa.
Com o surgimento de casas comerciais destinadas a fornecer alimentação e serviços equivalentes aos domésticos, a viajantes e a cidadãos dos centros urbanos, foram trazidas para estes estabelecimentos, as mesmas regras profissionais e laborais do serviço doméstico. Os trabalhadores dormiam e comiam dentro dos próprios estabelecimentos ou em anexos próximos, e chegavam a trabalhar 18 a 20 horas por dia sete dias por semana.
Há relatos do princípio do século XX que referem os empregados de mesa dos cafés da Baixa de Lisboa a trabalharem entre as sete e as duas horas da manhã. Horas a que arrumavam as mesas, colocavam sobre as mesmas enxergas de palha onde dormiam, e às seis horas, levantavam-se, limpavam e arrumavam o estabelecimento para reiniciarem de novo o trabalho às sete horas. Pela mesma altura, no Hotel Frankfort e noutros hotéis de da cidade, os trabalhadores dormiam no chão das cozinhas e em sótãos, estavam proibidos de receber visitas e de sairem à rua, estando muitos deles meses ali enclausurados, até que a entidade patronal “benevolamente” os autorizava a visitar a família.
Em Portugal, foi em 1907 que saiu a primeira lei relacionada com o tempo de trabalho, instituindo o descanso semanal obrigatório ao domingo. Então já havia algumas profissões e trabalhadores que tinham conquistado um dia de descanso por semana, mas não era obrigatório por lei.
Foi em torno do objectivo do cumprimento desta lei que se constituiu a primeira associação de classe (sindicato) e se fundou um jornal dos trabalhadores da hotelaria, A Defesa, em Lisboa, cujo lema, inscrito em nota de rodapé do nº 1 era: o capital é o trabalho não pago. No Porto já se havia constituído associação semelhante em 1898. Haviam já sido constituídas outras associações anteriormente, nesta classe, mas eram de natureza mutualista e cooperativa.
Mas, a lei de 1907 era de tal modo genérica e cheia de buracos que, apesar das denúncias, das assembleias de protesto, das petições nacionais ao Ministro do Reino, promovidas pela associação de classe, o patronato eximia-se facilmente ao seu cumprimento. Foram muito poucos os trabalhadores que então passaram a gozar este direito.
Durante a primeira república, com uma lei um pouco melhor, que remetia as questões do descanso e do horário para regulamentação das câmaras municipais, e atribuía aos sindicatos capacidade para fiscalizarem o seu cumprimento, os trabalhadores, com muito esforço e lutas começaram a fazer aplicar o direito ao descanso semanal, que simultaneamente significava uma redução semanal do horário em cerca 16 horas. Foi um processo que durou décadas e nos anos trinta do século XX ainda havia muitos estabelecimentos onde não havia dia de descanso.
Considerados trabalhadores domésticos pelo código civil desde o século XIX, os trabalhadores dos cafés, restaurantes e hotéis, durante muito tempo viram-se excluídos da legislação que estabelecia limites diários e semanais ao horário de trabalho.
O projecto da lei fixava o limite máximo de 8 horas diárias e 48 semanais para o comércio e a indústria, em 1919. Na proposta do governo, os trabalhadores de hotelaria faziam parte dos trabalhadores a ser abrangidos. Mas na discussão pública, após forte pressão do patronato sobre o poder político, foram excluídos, e expressamente considerados domésticos na lei que veio a ser publicada. Juntaram-se assim aos trabalhadores agrícolas e aos pescadores que também foram excluídos da aplicação da lei geral.
Só em 1932, em plena ditadura, já próximo da institucionalização do fascismo, o decreto-lei 24 402, do horário de trabalho, elimina a classificação dos trabalhadores de hotelaria como domésticos, integrando-os na categoria dos trabalhadores do comércio, a quem se aplicava o horário de 48 oito horas semanais.
Devido ao grande crescimento do sector esta situação de discriminação relativamente a outras actividades comerciais e industriais gerava grande conflitualidade laboral. Desde a segunda metade do século XIX que havia cafés e restaurantes em Lisboa e no Porto com largas dezenas de trabalhadores. O Café Chave de Ouro no Rossio, quando abriu, admitiu 150 trabalhadores para cozinhas, copas e mesas.
O Hotel Avenida Palace em Lisboa, inaugurado ao mesmo tempo que a Estação de caminhos-de-ferro do Rossio, tinha mais de cem empregados. Aos hotéis do final do século XIX e princípio do século XX, nas termas de Vidago e outras, começaram a juntar-se grandes hotéis em estâncias balneares como a Madeira, o Estoril, e nos grandes centros urbanos.
A aposta no desenvolvimento do turismo a partir dos anos trinta, como actividade económica importante e geradora de ingresso de divisas no país, e a crescente organização e luta dos trabalhadores começaram a tornar insustentável a sua consideração como domésticos.
Mas, também esta lei colocava obstáculos à aplicação dos seus limites à jornada de trabalho no sector, ao estabelecer que estes só seriam aplicados depois de convencionados entre trabalhadores e patronato, e ao admitir que horários mais longos fossem negociados nas convenções colectivas.
Foi assim que nas convenções negociadas pelos sindicatos corporativos entre 1937 e 1945, sob fortes protestos dos trabalhadores, foram fixadas 10 horas diárias de trabalho, 60 semanais, um dia de descanso por semana, e 4 ou 8 dias de férias não pagas, conforme os anos de casa. O argumento dos próprios sindicatos aos trabalhadores para aceitação desta duração da jornada de trabalho era o de que na prática, os horários eram então muito mais longos e que mesmo assim iria haver redução.
Só em 1966, com nova lei do contrato individual de trabalho, que vem melhorar as débeis convenções colectivas, as 8 horas por dia e 48 semanais chegam finalmente aos trabalhadores de hotelaria e restauração.
Com a Revolução do 25 de Abril e a fusão de mais de dez convenções colectivas num contrato vertical único para o continente, com entrada em vigor no dia 1 de Maio de 1975, foi unificada toda a regulamentação de trabalho, e reduzido o horário de trabalho de 48 para 44 ou 45 horas semanais, consoante o descanso semanal fosse de 1 dia e meio ou de dois dias, respectivamente.
No 1 de Maio de 1989, a CGTP-IN lançou a palavra de ordem de luta pela redução do horário de trabalho para 40 horas semanais no máximo, em cinco dias. Aqui, já trabalhadores assalariados iguais aos outros, os trabalhadores de hotelaria irmanados com os das fábricas, iniciaram um longo processo de luta empresa a empresa, conquistando as 40 horas em progressão contínua, a começar nas grandes empresas, em regra após várias greves. Destacaram-se nesta luta os trabalhadores do Hotel Sheraton, que fizeram 15 dias seguidos de greve até negociarem as 40 horas.
Este horário foi também sucessivamente conseguido nas convenções colectivas de trabalho, até que finalmente, em 1996, as 40 horas semanais em 5 dias foram consagradas na lei geral de trabalho. Para não fugir à regra dos artifícios dos governos anteriores para enganar os trabalhadores e favorecer o patronato, também esta nova legislação trazia um conceito de trabalho efectivo que eliminavas as pequenas pausas existentes nos horários estabelecidos, de tal modo que a sua aplicação, em alguns casos, significava aumento da jornada de trabalho em vez da sua redução. Somente após dois anos de intensa luta, particularmente no sector têxtil, é que os trabalhadores forçam uma aplicação da lei que fixava de facto o horário em 40 horas semanais em 5 dias por semana.
Hoje, a duração da jornada de trabalho, e o exército de reserva dos desempregados, continuam a ser os dois principais instrumentos do patronato para intensificar a exploração e embaratecer o factor trabalho.
No que respeita ao horário, foram introduzidas as mais sofisticadas formas na sua organização, através da chamada flexibilização, bancos de horas etc., que não têm outro objectivo senão tornar o trabalhador disponível sempre que é necessário, esticando ou encolhendo a jornada, eliminar tempos mortos e pausas, aumentar ritmos de trabalho, e também, voltar a aumentar o tempo de trabalho, mesmo que partido aos bocadinhos ao longo do ano de modo a que o trabalhador se aperceba menos do facto.
Quanto ao direito ao trabalho e à segurança e estabilidade no emprego é contínua a luta entra trabalhadores e patronato, os primeiros exigindo vínculos efectivos e estabilidade laboral e social, os segundos inventando as mais criativas mas falsas justificações ideológicas, e todo o tipo de vínculos laborais precários, para forçar a liberalização e o embaratecimento dos despedimentos.
A remuneração do trabalho
Nas épocas históricas dos métodos de produção esclavagista, feudal, e nos primórdios do capitalismo, a quase totalidade da classe profissional eram escravos, servos, lacaios, criadas e criados domésticos em castelos, palácios e casas de nobres e dos ricos. Não é difícil de ver que a sua remuneração era constituída unicamente pela alimentação, vestimenta e alojamento. Eventualmente, de quando em vez, remuneração acrescida por uma prenda ou gratificação aos mais afortunados. Condições de trabalho que mesmo assim garantiram seguramente durante séculos a estes trabalhadores mais qualidade de vida que a que tinham os restantes explorados na manufactura e nos campos.
Esta foi a natureza da remuneração que foi sendo adoptada pelos estabelecimentos comerciais que ultrapassavam a gestão exclusivamente familiar e contratavam pessoal para o seu serviço, a troco de “cama mesa e roupa lavada”. Na década de cinquenta do século XX ainda era vulgar em Lisboa esta forma de remuneração, nas casas de pasto, tabernas, carvoeiros, pensões e pequenos restaurantes. E para as criadas e criados domésticos das casas da nobreza e da burguesia era a regra. Eu próprio, com 12 anos, comecei a trabalhar num Bar da capital em Outubro de 1953 com esta remuneração. Só passados dois anos passei a ganhar 10 escudos por dia. E porque era assim? Mais uma vez o meu caso dá a resposta. Lembro-me de o meu tio, que fora uns dias à aldeia, fazer a proposta à minha mãe. Se quiseres posso levar o Américo para Lisboa. É menos uma boca com que ficas para alimentar. Eu era o mais velho de cinco irmãos…
Na segunda metade do século XIX os cafés de Lisboa, Porto, Coimbra e Braga eram espaços de encontro, de tertúlias, de convívio de burgueses, intelectuais, políticos, juízes e advogados, sargentos e oficiais do exército e da Marinha, funcionários públicos superiores, empregados de escritório e do comércio. Eram então os estabelecimentos hoteleiros com maior número de trabalhadores, particularmente no serviço de mesas, cozinhas e copas.
O acto de dar uma gorjeta ou gratificação por parte do cliente ao empregado de mesa que o servia, em cafés, restaurantes e hotéis, com o tempo tornou-se uma prática rotineira. E, nos estabelecimentos frequentados por clientela abastada ou em tempo de “vacas gordas” as gorjetas podem transformar-se numa apreciável forma de remuneração para quem as recebe. Embora carreguem consigo consequências negativas. Por exemplo, os trabalhadores passaram a disputar, dividindo-se, as melhores mesas e os melhores clientes, e dispunham-se a trabalhar longas jornadas de trabalho porque estando mais tempo de serviço tinham mais possibilidades de receber mais gorjetas.
Quando a gorjeta se afirmou na prática como norma instituída e era raro o cliente que, maior ou menor não a deixava no prato específico que lhe era estendido com o troco, o próprio patronato passou a apropriar-se de uma quota-parte dela. Ao contratar os empregados, impunham-lhes como condição a entrega de cerca de 50% das gorjetas recebidas. Ou mesmo o pagamento por parte dos empregados de uma verba diária ou mensal fixa pelos postos de trabalho que davam origem a gratificações. O mesmo aconteceu com as fardas. Inicialmente parte integrante da remuneração, os patrões passaram a obrigar os empregados a pagá-las, e quando em banquetes de luxo, em embaixadas, bailes e casamentos era imposto o uso de fraque ou casaca de labita, eram também os empregados que tinham de os alugar a custas suas no adelo.
Também aqui a minha própria experiência serve de testemunho directo. Em 1957, quando fui trabalhar para o Hotel Tivoli, eu e os cerca de 600 outros trabalhadores, éramos obrigados a pagar duas fardas cada, em conformidade com o feitio e o tecido decididos pelos decoradores da empresa. E, como não tínhamos dinheiro inicial para as pagarmos, era-nos descontada no fim do mês uma parcela do parco vencimento que tínhamos com origem na percentagem. Em geral, quando acabávamos de as pagar, já estávamos a precisar de as substituir por outras, novas, reiniciando-se o ciclo perpétuo do desconto do seu custo no vencimento.
A primeira greve de que há notícia em Lisboa foi realizada pelos trabalhadores do Café Suisso, ao Rossio, em Agosto de 1909, para deixarem de pagar ao patrão 900 réis por dia cada um, extraídos das gratificações que recebiam dos clientes. Promovida pela associação de classe, a acta do acordo colectivo negociado, que estabelecia uma redução deste pagamento para 600 réis, configura também a primeira convenção colectiva conquistada pelos trabalhadores do sector.
A partir desta vitória, a reivindicação do fim da paga pelo trabalho junta-se como regra, à reivindicação do cumprimento do dia semanal de descanso e à redução das horas diárias de trabalho. Os conflitos entre empregados de mesa e patrões nas principais cidades exigindo que as gorjetas ficassem para quem as recebia eram frequentes, e em regra tinham o apoio solidário dos próprios clientes.
Um dos aspectos negativos desta forma de remuneração é o facto de ela depender da boa vontade e das possibilidades dos clientes. Por isso está sujeita às imponderabilidades provocadas pelas crises económicas, o desemprego, e a guerra. As gorjetas aumentam ou diminuem em conformidade com o poder de compra das populações e com a alteração da composição das classes sociais, os seus hábitos e culturas.
Foi o que aconteceu com as consequências económicas e sociais da I Grande Guerra Mundial. Os preços aumentavam da manhã para a tarde, os bens alimentares eram açambarcados pelos especuladores, a moeda sofria desvalorizações sucessivas e galopantes, o desemprego e a fome grassavam, o poder de compra diminuía em conformidade, logo, nos cafés, restaurantes e hotéis, as gorjetas reduziam drasticamente ou deixavam de existir totalmente, fazendo regressar as remunerações à fórmula “cama mesa e roupa lavada.”
Perante a luta dos trabalhadores e a míngua do volume das gorjetas arrecadas, em 1917, o patrão d’A Brasileira de Lisboa deixa de extorquir aos seus empregados a parte das gorjetas com que ficava. Pouco depois, o Café Gelo, o Chave de Ouro, o Royal e a Cervejaria Leão, todos de Lisboa, seguem-lhe o exemplo. No Porto e noutras cidades acontece o mesmo. Face à escassez das gratificações, anos depois, os trabalhadores começam a lutar pela sua abolição e pela sua substituição por uma percentagem ou taxa de serviço sobre as vendas realizadas.
Às cinco da manhã do dia 31 de Julho de 1922, uma Reunião Magna de centenas de trabalhadores de cafés, restaurantes e cervejarias do Porto, encerra com a deliberação do inicio imediato de uma greve pela abolição da gorjeta e pela fixação de uma percentagem de 10% sobre as vendas. A greve inicia-se com grande adesão, mas após a colocação da GNR à porta dos principais cafés da cidade, o patronato fez circular o boato de que havia acordo sobre os 10% e muitos trabalhadores iniciaram o regresso ao trabalho. São presos inúmeros grevistas e 15 activistas sindicais são despedidos. Nada ficou decidido por escrito, e só um café passou a aplicar a taxa de serviço de 10% com que se tinha comprometido, como forma de remuneração. Mas o patronato admitiu pela primeira vez esta forma de remuneração.
Em Maio de 1924, foi a vez dos trabalhadores de Lisboa, de forma mais organizada e formal fazerem a mesma reivindicação. A associação de classe apresentou à associação patronal para negociação um caderno reivindicativo em que a exigência da abolição das gorjetas e fixação de uma taxa de serviço era a questão principal. Depois de inúmeras diligências e reuniões infrutíferas, dia 4 de Setembro, uma Reunião Magna dos trabalhadores de Lisboa declara a greve no sector com início no dia 7 de Setembro. A greve tem grande adesão, estende-se à Figueira da Foz, e dura 24 dias. Há diversos Cafés e restaurantes que assinam com os trabalhadores actas a estabelecer a taxa de serviço. O Tavares foi o primeiro.
A associação patronal chegou a propor ao sindicato acordar um contrato colectivo com os 10%. Mas como pretendiam acrescer a percentagem aos preços cobrados ao cliente, o sindicato, em coerência com a luta dos trabalhadores em geral contra o aumento do custo de vida, não aceitou a proposta por esta significar também um aumento equivalente dos preços. Tiveram o pássaro não mão, mas por uma mistura de idealismo, anarquismo e inexperiência, deixaram-no fugir. Durante esta luta alguns trabalhadores galegos foram detidos e colocados na fronteira. 24 Dirigentes e activistas foram presos e enclausurados nos calabouços do Governo Civil até aos primeiros dias de Outubro. Muitos foram despedidos, mas o saldo traduziu-se em algumas dezenas de actas de acordo que foram a semente que fez alastrar ao longo dos anos seguintes esta forma de remuneração aos trabalhadores dos principais cafés, restaurantes e hotéis das cidades, das termas e das zonas balneares.
A 11 de Novembro de 1932, é publicado o decreto-lei 21 861, que proíbe as gratificações nos estabelecimentos hoteleiros, e, embora não a tornando obrigatória, reconhece a existência da taxa de serviço como forma de remuneração.
Perante esta legalização, o patronato alarga a cobrança da percentagem, e aproveita a falta de qualquer regulamentação sobre a sua arrecadação e distribuição pelos trabalhadores, para se apropriar directamente dela, 30% do total no Hotel Palácio do Estoril durante algum tempo, por exemplo, com o pretexto de repor a quebra de receitas na época baixa, e indirectamente, retirando da taxa de serviço o dinheiro para pagar e repor louças e vidros partidos e talheres desaparecidos. Isto, para além de se terem arrogado a si próprios o direito de fazerem a seu belo prazer a gestão e distribuição da taxa cobrada aos clientes para pagar aos trabalhadores.
A partir daqui, a luta passou também a ser a exigência de controlo total dos dinheiros arrecadados por aqueles a quem a taxa de serviço se destinava, e pela fixação de regras para a sua distribuição periódica e em conformidade com as categorias e responsabilidades profissionais de cada um. Foi também no Hotel Palácio do Estoril que após intensa contestação a forma como a taxa era distribuída foi regulamentada em acta de acordo assinada, com regras para a sua distribuição por “pontos” em função das categorias profissionais. Mas a generalização dessas regras e o controlo dos valores efectivamente recebidos, viria levar anos de luta em pleno fascismo.
A lei não fixava a taxa de serviço como forma obrigatória de remuneração, mas proibia os trabalhadores de receberem gorjetas, do seguinte modo: «nos estabelecimentos que adoptem o sistema de cobrar gratificações destinadas ao pessoal estes são obrigados a afixar no vestíbulo de entrada, sala de jantar, botequins e quartos, letreiros em caracteres bem legíveis e em português, francês e inglês chamando a atenção das propinas ao pessoal, que ficará sujeito a sanções severas se as aceitar.»[1]
Não há muito tempo, quando deparei com esta lei ao investigar a história do meu sindicato, vieram-me há memória os letreiros de letras gordas e vermelhas, afixados nas paredes interiores do Nice Bar a anunciarem a proibição das gorjetas. O que na altura, em 1953, me intrigava bastante. Pois os clientes davam gratificações e os empregados recebiam-nas, como se aqueles letreiros fizessem parte de outra realidade. Nesta época a lei já era letra morta no que respeita à proibição. Mas ainda subsistia uma prova caricata e simultaneamente dramática que demonstra até que ponto chegaram patronato e governo para sujeitarem os trabalhadores à lei. Obrigavam os empregados de mesa a usar o tradicional casaco branco e calça preta, sem algibeiras, para que não pudessem arrecadar as gratificações rapidamente sem que os vissem.
A vida demonstrou que a ideia da proibição da gorjeta não era realista. Esta forma de agradecer a simpatia e o profissionalismo de um empregado, uma dose de comida ou um copo melhor servidos, perde-se no tempo. Além disso, apesar de na luta pela abolição da gorjeta como forma de remuneração muitos trabalhadores a considerarem um vexame, contraditoriamente, o que verdadeiramente estava em causa e os trabalhadores reivindicavam, era a sua obrigatoriedade, a fim de lhes ser garantido um vencimento regular. O que realmente veio a acontecer, em parte, com a generalização da taxa de serviço.
Em parte, porque a percentagem, garantindo embora maior regularidade do vencimento aos trabalhadores, era ainda assim muito imponderável, dado que sujeita às oscilações do afluxo de clientela. Nas épocas de crise social e económico, a redução drástica do volume de negócios significava uma redução drástica da percentagem, e nos hotéis e outros estabelecimentos sazonais, na época baixa, em geral no Inverno, a renumeração com origem na taxa de serviço era em muitos casos quase reduzida a zero. Esta situação levou mais tarde à reivindicação de um cômputo mínimo garantido, nomeadamente para efeito de descontos para as caixas de previdência quando elas foram instituídas.
A proibição das gratificações não vingou, porque muitos clientes continuaram a dá-las, mesmo depois de proibidas por lei e do estabelecimento da taxa de serviço. E para os trabalhadores, é mais fácil e mais profícuo recebe-las do que recusá-las. Porque são um acréscimo de remuneração à que já está garantida, e porque evitam o vexame feito pelo trabalhador que as recusa ao cliente que as quer dar. Enquanto recepcionista, com um salário fixo razoável, tive oportunidade de ver a cara ofendida dos clientes, portugueses e estrangeiros, durante um período em que eu e outros colegas decidimos recusar as gratificações. Foi nessa altura que percebi que a gratificação não era apenas uma forma de pagamento ou de agradecimento. Que, o que gratifica, afirma ao mesmo tempo um estatuto social superior ao gratificado. Inconscientemente está a fazer dele seu criado.
O primeiro ACT – Acordo Colectivo de Trabalho negociado com 39 dos principais cafés de Lisboa, em 1937, fixou as primeiras regras para a arrecadação e distribuição da taxa de serviço pelos empregados que serviam directamente os clientes, e ordenados mínimos para os restantes trabalhadores. Estas regras vieram a ser também adaptadas e consagradas, no CCT – Contrato colectivo de Trabalho das pensões, de 1938, nos hotéis e restaurantes em ACT também de 1938, transformado em CCT dos hotéis, em 1945.
Os trabalhadores das empresas de média e grande dimensão, onde não era cada trabalhador a receber directamente as receitas dos gastos realizados pelos clientes, só nos anos seguintes é que vão conseguindo algum controlo dos valores recebidos, através da imposição de um registo obrigatório, escrito, dos valores pagos por cada cliente e do respectivo acréscimo de 10% para a remuneração do trabalhador que o servia. Mesmo assim, chegámos ao 25 de Abril de 1974 com muitos trabalhadores de inúmeras empresas a queixarem-se do roubo da taxa por parte de alguns patrões e gerentes. A taxa era então de 10% em toda a hotelaria, excepto nos cafés, onde eram cobrados 16% (pois, eram estabelecimentos de pequenas despesas por pessoa).
Com a revolução de Abril, foi interrompida por um período de 18 meses (25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975) a dominação burguesa da sociedade portuguesa, e os trabalhadores em geral, também os de hotelaria, com a relação de forças a seu favor, puderam, através da luta, obter grande parte das reivindicações que vinham a fazer desde o início do século, negociando-as e consagrando-as em CCTs.
Numa primeira fase, logo em Maio e Junho de 1974, foram negociados acordos que fixaram as férias em 30 dias para todos os trabalhadores, um mês de subsídio nas férias e outro pelo Natal; a proibição do despedimento sem justa causa; a taxa de serviço foi uniformizada em 15% em todas as actividades hoteleiras; foi abolida a discriminação que existia na qualidade e na variedade da alimentação dos trabalhadores, conforme estes eram chefias ou pessoal administrativo adstrito às administrações, e os restantes trabalhadores. O salário mínimo nacional (s.m.n) de 3 300 escudos a 27 de Maio abrangeu mais de 80% dos trabalhadores, cerca de metade com aumentos de 100% e 200%. Trabalhadores das copas, das cafetarias, moços de cozinha, trabalhadores de lavandarias, refeitórios e limpezas e outros, tinham então salários entre 400 e 1500 escudos.
Em 1974, a distribuição de riqueza produzida em Portugal era de 40% para os trabalhadores e 60% para o capital. No final do ano de 1975 os números estavam invertidos. 60% Destinavam-se ao factor trabalho e 40 ao factor capital. Nos dias de hoje os valores são os mesmos e voltam a estar invertidos em desfavor dos trabalhadores.
O decreto-lei do s.m.n dispunha que o patronato podia descontar até 50% no salário, do valor atribuído à alimentação e alojamento fornecido aos trabalhadores. A forma de remuneração dos trabalhadores durante séculos: a alimentação, e em alguns casos o alojamento, que tinham transitado como um direito adquirido com a conquista de um vencimento regular através da percentagem, ou de um salário, no caso dos trabalhadores interiores sem contacto directo com os clientes, foi transformada pelo patronato numa forma de reduzir o s.m.n. em 50% para os trabalhadores da hotelaria.[2] Os sindicatos lançaram-se numa luta com manifestações e greves que duraram até ao fim do ano de 1974, nas empresas que utilizaram o artifício, e conseguiram levar o ministro do trabalho a dispor por PRT, que no caso da hotelaria, não era permitido o desconto do valor da alimentação no salário.
O CCT que entrou em vigor no dia 1 de Maio de 1975, aplicável a todo o continente, cuja negociação com o patronato foi concluída quatro dias depois do termo de um ciclo de greves nacionais, entre 3 e 5 de Maio, com adesão praticamente total, veio consagrar, uniformizar e regulamentar tudo o que tinha já sido conquistado de forma avulsa acrescentando muitas outras reivindicações. Às matérias e direitos já atrás referidos foram consolidados neste CCT. Ficou também convencionado que todo o tipo de fardas, fazenda, confecção e limpeza seriam encargo da entidade patronal; a alimentação obrigatória, não seria dedutível no salário; um subsídio de 50% para o trabalho nocturno; feriados e horas extraordinárias pagas a 200%; uma carreira profissional progressiva para cada categoria; a proibição do despedimento sem justa causa; a obrigatoriedade de processo disciplinar e de nota de culpa com informação ao sindicato, quando da tentativa de despedimento com justa causa, e uma indemnização de três meses por cada ano de casa, num mínimo de 12 meses, a cada trabalhador que fosse despedido; direito de acção e organização sindical na empresa; a proibição do lock-out; a proibição de cobrar aos trabalhadores pelas louças, vidros partidos e talheres extraviados no serviço; a redução do horário de trabalho de 48 para 44 ou 45 horas de trabalho; direitos especiais para mulheres e menores; e finalmente, a eliminação do último liame importante que ainda lembrava a condição de trabalhadores domésticos. A proibição da taxa de serviço como forma de remuneração em favor de um salário mensal fixo numa tabela com IX níveis salariais. Tinham passado 75 anos de lutas quando os trabalhadores de hotelaria deixaram definitivamente para trás o labéu de criadas e criados domésticos, e passaram a ter estatuto integral de trabalhadores assalariados.
[1] Dec. Lei 21 861 de 11 de Novembro de 1932
[2] A questão não era nova para a classe. Já em Junho de 1921, o Governador Civil de Lisboa, Lelo Portela, tentou fazer aplicar um regulamento da sua autoria a criados e criadas, que estipulava que os patrões pudessem descontar 50% do salário aos que tinham alimentação e alojamento; os primeiros ACTs convencionados acolheram também este princípio.
As mulheres na profissão – A luta pela dignidade da profissão estatuto social e de cidadania
No jornal da associação de classe de Lisboa, aparecem logo no início da sua publicação algumas referências, tímidas, à igualdade de direitos das mulheres. Em 1911, defendia-se que elas também tinham direito ao dia de descanso semanal. Em 1914 é referida uma carta de uma empregada de hotel a perguntar se a associação aceitava mulheres como sócias. Mas não há qualquer sinal de resposta positiva. Em Setembro de 1916, quando no Porto abre um café com mulheres a servir à mesa, a associação de classe protesta contra o facto e o apoio que recebe dos trabalhadores é grande. Tudo indica que durante mais de uma década as associações de classe na profissão, embora os seus estatutos fossem abertos à participação das mulheres, eram apenas constituídas por homens.
No inicio do ano de 1921, com o apoio da USO – União dos Sindicatos Operários de Lisboa, e de dirigentes do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, nomeadamente Maria O’Neill, a escritora Maria Correia Alves e a médica Adelaide Cabete, constitui-se uma comissão promotora de uma associação de classe das empregadas domésticas de hotéis e casas particulares[3]. Esta comissão instalou-se na sede da associação de classe dos trabalhadores dos hotéis, cafés e restaurantes, que lhes deu o seu apoio solidário e material.
Um episódio rocambolesco ocorrido neste ano de 1921 provocou a maior e mais combativa greve realizada até aí pelos trabalhadores da hotelaria em Lisboa. Ficou conhecida pela greve do livrete e nela participaram de forma aguerrida, as criadas domésticas, incluindo as dos hotéis, mas também os homens, incluindo os dos cafés e restaurantes. Tratou-se sobretudo de uma greve de defesa da dignidade das mulheres, mas também da dos homens, e da primeira grande acção concreta em que o objectivo principal foi o combate para se libertarem de ser considerados como criados domésticos.
O Governador Civil Lisboa, Lelo Portela, aviador famoso e viajado, aproveitou o facto de ter sido detida uma ladra que se fazia passar por criada doméstica para assaltar casas em Lisboa, para retirar daí imaginativa conclusão de que todas as criadas e criados eram ladrões ou potenciais ladrões. Tal conclusão foi um passo para o criativo governador elaborar um regulamento que mandou publicar no Diário do Governo a fim de ser aplicado aos criados e criadas domésticas.
O regulamento obrigava a um documento de identificação, onde deveriam ser averbadas as casas onde criados e criadas trabalharam ou trabalhavam; obrigava ainda os trabalhadores a pagarem uma taxa, permitia ao patronato o desconto de 50% do vencimento aos trabalhadores que tivessem direito à alimentação, e obrigava-os a apresentarem-se uma vez por mês no Governo Civil, como se fossem criminosos ou prostitutas. As prostitutas já tinham uma caderneta semelhante e iam obrigatoriamente uma vez por mês ao Governo Civil, à revisita de saúde, e obter um carimbo a validar a caderneta profissional. O jurista do sindicato chegou à conclusão que o dito regulamento se aplicava não só às criadas domésticas das casas particulares, mas também a todos os criados e criadas de hotéis, restaurantes e cafés. A classe ficou em polvorosa!
Entretanto, a Associação de Classe das Criadas Domésticas de Hotéis e casas particulares já havia aprovado os seus estatutos e eleito uma direcção, presidida por Violeta Ribeiro de Magalhães. Os objectivos expressos, eram: «Promover a instrução da classe, dado ser a ignorância o origem de toda a sua infelicidade; acabar com as agências inculcadoras de Lisboa, verdadeiros antros de prostituição escolas de crime; promover aperfeiçoamento profissional da classe; estabelecer uma casa onde as desempregadas enquanto não arranjam colocação, libertando-as do antro desmoralizador que são as casa de pernoita.»
A reunião magna de 19 de Julho para discutir a questão do livrete foi já convocada pela velha associação de classe, e pela nova associação de classe, constituída só por mulheres. Estas afirmam: «Estamos dispostas quer ao abandono do trabalho quer a ir para a prisão, mas não nos curvaremos à lei de ser matriculadas. Bilhete de identidade, só o da associação.»
Constituíram-se comissões para fazer diligências junto dos poderes públicos e angariar apoios para que a aplicação do livrete não se fizesse. A 17 de Agosto, «numa sala apinhada de gente onde predominava o elemento feminino» comparece um agente da polícia que em nome do Governador Civil declara que a reunião não se podia realizar. Os participantes não acataram a ordem da autoridade por a considerarem atentatória do direito de liberdade de reunião, consideram o livrete um atentado à honra e à dignidade das mulheres, e no meio de grande excitação, decidem suspender o trabalho a partir da meia-noite desse mesmo dia, e não regressar ao trabalho enquanto o livrete não fosse revogado. A polícia respondeu de imediato com o encerramento da sede das associações.
Foi assim que as mulheres entraram em força no sindicalismo na hotelaria e granjearam de imediato grande prestígio para a sua associação de classe. No dia 18 de Agosto a adesão à greve foi total nos estabelecimentos de Lisboa. A 19 continuou com um pouco menos de adesão. A polícia fizera correr o boato que o regulamento fora abolido, excepto para as domésticas das casas particulares. Na manhã deste dia foram presas no Rossio quatro criadas que andavam a distribuir o manifesto da greve. Na Praça da Figueira foram presas Elvira Ferro e Lídia Cruz dirigentes da associação, pelo mesmo motivo. Entre os activistas sindicais de Lisboa constituiu-se uma comissão para ir exigir a libertação das presas, e os operários a trabalhar nas obras no Parque Eduardo VII paralisaram também o trabalho em solidariedade com os grevistas.
No terceiro dia de greve o Governador Lelo faz acusações e ameaças mas também uma cedência. Acusa a greve de intuitos políticos e ameaça os trabalhadores estrangeiros de os mandar prender e colocar na fronteira. Ao mesmo tempo anuncia ter mandado suspender a aplicação do regulamento aos trabalhadores dos hotéis, cafés e restaurantes. As associações, face aos efeitos desmobilizadores que previam com estas medidas do Lelo, suspenderam a greve. A resistência que se seguiu da parte das criadas domésticas foi a resistência passiva, recusando-se a ir ao governo civil tratar do livrete, aparentemente com êxito. Pois não consta que a sua aplicação tenha vindo a ter qualquer eficácia.
Nos primeiros meses de 1911 já houvera uma acção em torno da igualdade de cidadania. Os empregados de mesa por hábitos e obrigações que já vinham de trás eram obrigados a cortar o bigode e a andar de cara rapada.
Sob o impulso das movimentações sociais provocadas pela implantação da República, estes trabalhadores constituíram uma comissão que teve como objectivo contactar as empresas e discutir com o patronato o direito de poderem usar bigode como quaisquer outros cidadãos livres. Houve resistências. Quando o dono Hotel Palácio de Vidago se deslocou a Lisboa pouco antes do inicio da época balnear, como fazia todos anos, para contratar pessoal, e continuou a exigir como era hábito que todos os contratados rapassem o bigode, a associação de classe promoveu o boicote à ida de trabalhadores para aquele hotel.
Alguns meses depois, a comissão apresentou-se na assembleia-geral da associação com um acordo assinado pelas principais unidades hoteleiras de Lisboa e do Estoril, que se comprometiam a deixar de exigir aos empregados que rapassem o bigode. A madame Durand, francesa dona do Hotel Durand, tinha mesmo sido o cúmulo da delicadeza para com a comissão. Prometera-lhes que ao único empregado que tinha sem bigode, lhe iria nesse mesmo dia dizer que o passasse a usar…
Hoje, podemos achar exótico tanto ardor em torno do famoso adorno capilar masculino. Mas é bom recordar que naquela época não havia cidadão exemplar nem republicano que se prezasse que não usasse pêra e bigode, ou somente bigode, em regra com pontas compridas e enroladas. Era um sinal de certo estatuto de cidadania, de republicanismo, e dignidade social. De tal modo esta questão foi considerada uma vitória do sindicato, que nos anos seguintes, sempre que se tratava de enumerar os direitos conquistados, o direito de usar bigode era sempre o primeiro direito a ser mencionado.
O episódio da luta contra o livrete, configura claramente uma luta mais avançada com o mesmo e outros ingredientes, pela libertação da condição de domésticos por parte de todos os trabalhadores de hotelaria, e das criadas e criados particulares, e ainda pela dignidade da profissão, pela igualdade das mulheres e por um estatuto de trabalhadores e de cidadãos iguais aos outros.
Respondendo positivamente a uma petição da direcção fascista do sindicato corporativo para que proibisse o trabalho de mulheres em determinadas secções. Em 10 de Novembro de 1936, o secretário de Estado, dá uma no cravo e outra na ferradura. Proíbe admissão de mulheres, nas mesas, bares, e cozinhas dos hotéis, e interdita o seu trabalho depois das 20 horas e antes das 7 da manhã. Esta proibição teve como fundamento formal os trabalhos destas secções serem trabalhos mais pesados e pouco apropriados para as mulheres. Mas, além disso ser mentira, os trabalhos de rouparia, lavandaria, engomadoria, arrumação e limpeza de quartos eram bem mais pesados, o que estava subjacente era a ideologia reaccionária alimentada pelo fascismo de inferioridade da mulher relativamente ao homem, e de que a vocação desta era ser mãe e ficar em casa a tratar dos filhos.
Teve também importância nesta medida, o machismo interesseiro dos homens, considerando que os melhores lugares, os mais bem remunerados, deveriam pertencer aos homens. Aos chefes de família. Aliás, na direcção, portaria, e na recepção dos hotéis, onde estavam alguns dos lugares melhor remunerados, as mulheres também não entravam. Eram feudo exclusivo dos homens. Embora a proibição formal aqui não tenha existido.
Esta exclusão das mulheres na admissão naquelas profissões, foi confirmada e consolidada em todas as convenções colectivas acordadas daí em diante, e só foi eliminada delas já próximo do 25 de Abril. Embora o seu efeito prático ainda se fizesse sentir a mais de 90% nessa altura, na cultura patronal e mesmo entre a classe.
Por exemplo, na comissão directiva provisória de 10 membros eleita ad-hoc no dia 29 de Abril de 1974 éramos todos homens. Nas eleições para os corpos gerentes por voto directo e secreto realizadas três meses depois, na direcção apenas constava uma mulher, a Matilde Graça, empregada de Quartos que, devida a sua condição de conhecida lutadora pelos direitos da classe ainda no tempo do fascismo foi eleita presidente da direcção.
Dia 25 de Maio de 2011, houve eleições para os novos corpos gerentes do sindicato de hotelaria do sul. Em cerca de cem elementos, 51% são mulheres. E, pode entrar-se em qualquer hotel, vendo-se mulheres em todas as secções e profissões, muitas vezes em maior número que os homens, mesmo naquelas secções onde em tempos tinham sido proibidas de ingressar.
[3] Note-se que as próprias trabalhadoras dos hotéis ainda aceitavam paulatina ser consideradas domésticas, de tal modo que o fazem reflectir no próprio nome da Associação de Classe.
Organização de classe e inserção no movimento sindical
Do fim da monarquia a fim da 1ª República
A primeira associação de que há conhecimento constituída por trabalhadores de hotelaria é a dos cozinheiros, de carácter mutualista, em 1890. Seguidamente, é fundada no Porto em 25 de Maio de 1898 a Associação de Classe (Sindicato) dos Empregados dos Cafés restaurantes e Hotéis. Segue-se-lhe em Lisboa, em 22 de Maio de 1904, a Associação dos Criados de Mesa, cooperativa, segundo o seu sócio nº 1, o galego Joaquim Bustos Romero, criado no Paço Real, com a aquiescência do rei D. Carlos. Por fim, nesta fase organizativa inicial, após a saída da primeira lei do descanso semanal obrigatório, de 7 de Agosto de 1907, constitui-se em Lisboa o Grupo de Defesa dos Empregados dos Hotéis, Restaurantes e Cafés, com o objectivo de fundar uma associação de classe, um jornal, e obrigar o patronato a cumprir a lei do descanso semanal. A assembleia constituinte da Associação de Classe teve lugar a 5 de Novembro de 1908, na Rua do Poço de Borratém nº 33 – 1º, sua sede até 1912.
Em 4 de Julho de 1909, um grupo minoritário de sindicatos (influenciado por anarquistas e revolucionários) abandona o Congresso Sindicalista e Cooperativista que se Realizava na Sociedade de Geografia em Lisboa sob a presidência do sindicalista e Secretário-geral do partido Socialista, Azedo Gneco, por não concordar com a participação de delegados dos partidos e defender que apenas deveriam participar representantes das associações de classe. Uma das associações que saiu, e foram dar inicio a outro congresso na Caixa Económica Operária à Graça, foi a Associação de Classe dos Empregados dos Hotéis e Restaurantes de Lisboa. Em Agosto deste mesmo ano a associação dirige a sua primeira greve, no Café Martinho. Greve que terminou com o acordo colectivo que reduziu 900 para 600 réis cada um, a paga pelo trabalho.
A 1 de Janeiro de 1910, sai o jornal A Defesa, órgão do sindicato[4], que imprime como lema no rodapé da 1ª página, o conceito marxista – o capital é o trabalho não pago. 1910 É também declarado como ano de luta pelo dia de descanso semanal obrigatório.
O sindicato participa no Congresso Sindicalista iniciado em Lisboa no dia 7 de Maio de 1911, e declara representar nele 570 associados. Participa também na constituição da USO – União dos Sindicatos Operários de Lisboa. O seu dirigente Luciano Gil Montes, empregado de mesa, é eleito para a Comissão Executiva do Congresso, órgão que passa a exercer papel de direcção do movimento sindical no Sul. Neste ano é contratado para advogado do sindicato, por 100 mil réis ano, o conhecido ideólogo anarquista João Campos Lima.
A partir de 1 de Janeiro de 1912, o sindicato de hotelaria é um dos 34 que, juntamente com a Comissão Executiva do Congresso e a USO se instalam na Casa Sindical de Lisboa, no antigo Palácio Marquês de Pombal, na Rua do Século. Também os jornais operários A Defesa, O Constructor e O Sindicalista (geral) passam a estar sediados nesta casa comum.
Nos dias 29 e 30 de Janeiro deste ano, Lisboa encontra-se completamente paralisada pela Greve Geral de solidariedade para com os trabalhadores agrícolas de Évora, em greve pelo cumprimento do acordo salarial e haviam sido duramente reprimidos pelo Governo de Afonso Costa, que mandou a GNR disparar sobre eles, assassinando um e ferindo vários outros. Na noite de dia 30, O Racha Sindicalistas[5], ao mesmo tempo que reúne e simula negociar o fim da greve com uma delegação sindical,manda um batalhão do exército e uma bateria de artilharia cercarem 700 dirigentes e activistas sindicais concentrados junto à Casa Sindical de Lisboa, que são presos e levados em cordões ladeados por soldados armados. 200 Ficam na Penitenciária e no Limoeiro, e 500 deles são encarcerados no barco de guerra Pero de Alenquer fundeado no Tejo para o efeito, onde estão dois meses em condições imundas, sem culpa formada nem julgamento. Entre os presos encontram-se 3 dirigentes da hotelaria, um dos quais Luciano Gil Montes. Cerca de 80 dirigentes que são considerados “os cabecilhas” ficam presos um ano no Forte de Elvas, também sem culpa formada e sem julgamento. Este conflito caracteriza bem a forma como os poderes políticos da república trataram o operariado entre 1910 e 1926, período em que com maior ou menor dimensão ocorreram centenas de afrontamentos semelhantes. Os que se espantam muito com a passividade do operariado face ao golpe militar fascista do 28 de Maio, desconhecem ou não valorizam suficientemente esta parte da história.
O sindicato participa no Congresso Nacional Operário realizado em Tomar entre 14 e 17 de Março de 1914, onde foi constituída a UON – primeira central sindical em Portugal. A sua representação neste congresso foi assegurada por um dirigente do Partido Socialista mandatado para o efeito, o que demonstra que esta componente política havia ganho hegemonia sobre os revolucionários e anarquistas na composição da direcção.
O predomínio dos empregados de mesa nos órgãos dirigentes e a concomitante tendência para dar mais atenção à resolução dos problemas desta categoria profissional, mas também, a discordância face à linha político-ideológica predominante, por parte dos quadros afectos à linha revolucionária e anarquista, empurraram os cozinheiros e os pasteleiros para a formação de um sindicato para estas profissões, provocando assim a primeira cisão, após o congresso de Tomar.
Deste ano até 1920, as dificuldades provocadas pela I Grande Guerra Mundial, aduzidas a uma direcção reformista que ganhou as eleições no sindicato com a promessa de acabar com o radicalismo nas lutas e de promover um diálogo civilizado com o patronato e as entidades públicas, enfraqueceram a ligação ao movimento sindical, onde pontificavam revolucionários e anarquistas, e viraram a actividade para a formação profissional, a prestação de serviços aos sócios, e as tentativas quase exclusivas de resolver conflitos através da denúncia pública, do diálogo, e de defender a aplicação de direitos através da fiscalização e dos tribunais.
Após a transformação da UON na CGT no congresso de Coimbra em Setembro de 1919, onde os anarco – sindicalistas garantiram hegemonia nos órgãos de direcção na central, intensificou-se a participação dos trabalhadores na vida do sindicato e passou a haver alguma conflitualidade interna através da contestação de alguns membros da direcção.
Esse dinamismo traduziu-se numa das mais interessantes originalidades do movimento sindical português. A constituição da associação de classe das mulheres do sector, já referida no capítulo anterior. As contradições internas geradas pela luta contra o “livrete” e o seu desenlace, com cuja condução os dirigentes reformistas discordaram, aliadas à crescente influência geral do anarco-sindicalismo, fizeram implodir e os corpos gerentes, tendo ficado apenas um ou dois dirigentes a assegurar o funcionamento do sindicato até à realização de eleições, que foram ganhas pela lista anarquista.
Contrariamente ao que para muita gente significa “anarquismo” esta direcção foi aquela que até então tivera uma visão, e inicialmente, uma prática mais aprofundada das formas de organização dos trabalhadores nos locais de trabalho. Em Setembro de 1922 elegeram em assembleia-geral o delegado ao III Congresso Nacional Operário, da Covilhã, e fizeram aprovar na mesma assembleia a filiação na CGT. E, no espaço de dois anos, elegeram delegados nos locais de trabalho de forma sistemática, dinamizaram e apoiaram a constituição de associações de classe nas capitais de distrito próximas de Lisboa, e apresentaram formalmente à associação patronal uma proposta de caderno reivindicativo, estruturada, para negociação, cujo conteúdo principal era a proibição das gratificações, a instituição de uma taxa de serviço de 10% e a aplicação da lei do horário à classe.
A greve de 24 dias que foi levada a cabo em Setembro pelas reivindicações foi-se esvaindo, até terminar por si e sem direcção, nos primeiros dias de Outubro. O sindicato sai muito enfraquecido e desacreditado deste processo. Apenas alguns dirigentes, entre os quais se destaca o velho Luciano Gil Montes, vão mantendo a porta aberta.
Só a Partir de 1929 o sindicato se volta a reanimar por via de um processo de reestruturação bem sucedido, em que três das associações então existentes se fundem numa só: A Associação de Classe dos Empregados na Indústria Hoteleira e Profissões Anexas. Em 1931 virá a ser formada em Lisboa a FAO – Federação das Federações Operárias, afecta ao Partido Socialista, tendo sido eleitos dois dos dirigentes deste sindicato para a sua comissão executiva. Um deles, Augusto Machado, foi designado pelo governo delegado dos trabalhadores Portugueses à conferência anual da OIT, em Genebra, no ano de 1931.
Neste processo, em plena ditadura militar fascista, já existia no sindicato uma activa tendência do “nacional-sindicalismo” de Rolão Preto, embora minoritária.
[4] Doravante, por comodidade, passa a usar-se neste texto a designação sindicato, em vez da de associação de classe, designação legal que se iria manter até imposição dos sindicatos corporativos em 1933 em simultâneo com a dissolução das associações de classe.
[5] Cognome porque ficou conhecido Afonso Costa, derivado à sua fúria persecutória e repressora às lutas operárias e sindicais durante a Primeira República.
No período do fascismo
Estes apoiantes do fascismo no sindicato combatem a presença dos galegos a trabalhar na actividade hoteleira e exigem que não lhes seja dado trabalho enquanto houver “nacionais” desempregados.
Em 1930, a aplicação da lei do horário de trabalho aprovada havia dez anos era ainda fonte de grande conflitualidade laboral, que na hotelaria tinha razões acrescidas por os trabalhadores do sector serem expressamente excluídos dela por via da sua classificação como domésticos.
Com o fito de amortecer os conflitos e amarrar os sindicatos, Salazar cria comités paritários para tratar das questões do horário de trabalho. Mas um conjunto de sindicatos operários recusa-se a integrar estes comités de conciliação, e no dia 6 de Março de 1930 formam em Lisboa, a Comissão Inter-Sindical – CIS, afim combater o desemprego e tratar as questões do horário de trabalho através da luta.
O sindicato dos cozinheiros e pasteleiros que viria mais tarde a integrar-se no recentemente formado sindicato da indústria hoteleira e profissões anexas, foi um dos fundadores da CIS, tendo o seu presidente Aleu Rocha sido eleito para a primeira comissão executiva desta central sindical unitária, de influência comunista.
Após dois anos de luta interna e depois de terem concorrido a umas eleições que perderam, num processo em tudo semelhante ao que viria a ser utilizado em 1976 pelos activistas afectos ao PS, em que a diferença foi apenas a substituição da xenofobia pelo anticomunismo, os “nacional-sindicalistas” provocaram a cisão no sindicato da indústria hoteleira e profissões anexas, e em 10 de Abril de 1931, realizam em Lisboa a assembleia constituinte do Sindicato Nacional dos Profissionais da Industria Hoteleira e Similares. Afirmam-se na base da Xenofobia e estipulam nos estatutos que apenas aceitam “nacionais” como associados. Este sindicato seria dos três primeiros a ser reconhecido pelo regime fascista a nível nacional, em Dezembro de 1933, e o único a ser reconhecido na hotelaria a sul do país, depois da dissolução coerciva dos sindicatos de classe.
Em Agosto de 1932, o Decreto-lei 24 402 elimina a classificação de domésticos, a 10 de Novembro sai o nº 1 de O Dever, órgão do sindicato de classe, que inscreve no cabeçalho o lema: A emancipação dos trabalhadores há-de ser obra dos próprios trabalhadores. Em 11 de Novembro o Decreto-lei 21 861 proíbe as gratificações nos estabelecimentos hoteleiros e reconhece a existência da taxa de serviço como forma de remuneração. A 1 de Dezembro sai o nº 1 de A Voz da Razão, órgão do sindicato dos “nacionais” que afirma no estatuto editorial ser um jornal de classe não para combater outra classe mas para defender os portugueses contra os maus camaradas estrangeiros.
Após a publicação da constituição fascista, em Setembro de 1933 é publicado o Estatuto do Trabalho Nacional – ETN, que obriga à dissolução de todos os sindicatos a partir de 1 de Janeiro de 1934, e à aprovação de estatutos oficiais obrigatórios que negam expressamente a luta de classes, proíbem a greve, as manifestações, e a existência de sindicatos na função pública, pescadores, agrícolas e nos correios.
Dos 754 sindicatos então existentes, apenas 57 aceitam adaptar-se à lei fascista, entre os quais o sindicato dos “nacionais” na hotelaria. A quase totalidade do movimento sindical lançou-se na preparação da Greve Geral de 18 de Fevereiro de 1934 contra a fascisação dos sindicatos. A Greve foi convocada pela CGT, a CIS, que nesta ocasião já era a central mais representativa, a FAO, cujo secretário-geral, Augusto Machado integrava o sindicato da hotelaria, pelos sindicatos autónomos e a Comissão de Trabalhadores do Estado. A repressão fascista sobre esta greve geral foi enorme. O governo de Salazar despediu os trabalhadores da função pública que aderiram à greve e obrigou as empresas privadas a fazer o mesmo. Ao todo foram presos 696 activistas sindicais. 76 Antes da greve, 599 no dia da greve, e 21 posteriormente. Os principais dirigentes foram deportados para os Açores e dali para os campos de concentração de Cabo Verde e de Angola. Enquanto o sindicato de classe na hotelaria aderiu à greve, os “nacionais”, provocatoriamente, estiveram contra a greve e convocaram a assembleia-geral para eleição dos corpos gerentes ao abrigo dos estatutos fascistas recentemente aprovados, para o próprio dia 18 de Janeiro.
Após uma tentativa falhada de constituição de sindicatos clandestinos, em 1935, o PCP aponta aos seus militantes o caminho da luta dentro dos sindicatos fascistas. O Partido Socialista, auto-dissolveu-se e instou os seus militantes sindicais a continuarem a luta nas cooperativas, dado estas associações não terem sido dissolvidas. Na hotelaria, um conjunto grande de militantes seguiram esta orientação, mas nem isto lhes valeu. O Governo considerou que na cooperativa se estava a desenvolver uma actividade de natureza sindical e mandou encerrá-la. Posteriormente aceitou que se desenvolvesse uma negociação que levou à sua integração no sindicato corporativo e entre Maio e Julho de 1936, 800 associados da cooperativa que foram isentos do pagamento de jóia e transferiram-se em bloco para o sindicato “nacional”.
Em 1937, a AG rejeita expressamente a assinatura do ACT dos cafés por este prolongar o horário de 8 para 10 horas diárias. Mesmo assim, a direcção afecta ao regime fascista assina-o. A AG reúne e demite a direcção por abuso de poder e elege uma direcção da confiança dos trabalhadores. Dois meses depois, por despacho de 30 de Agosto, o Governo demite a direcção eleita e substitui-a por uma Comissão Administrativa – CA nomeada por si, em que o presidente é o presidente da direcção demitida pelos trabalhadores. O ACT é publicado com as 10 horas diárias de trabalho em seis dias por semana.
Em eleições realizadas a 20 de Abril de 1940, é eleita uma direcção de novo da confiança dos trabalhadores que só toma posse no mês de Agosto, mas não tarda a haver problemas. Em Janeiro de 1941, a MAG recebe um ofício ministério das corporações a aceitar a demissão de um membro da direcção que a havia pedido, no mesmo ofício o governo demitia compulsivamente o presidente da direcção e o presidente da MAG, o que obriga a novas eleições, que se realizam em Agosto, sendo eleita de novo uma direcção da confiança dos trabalhadores. Um mês depois, a 5 de Dezembro, um despacho do sub-secretário de Estado demite compulsivamente a direcção eleita e substitui-a por uma CA que vai ficar no cargo cerca de três anos. O único feito saliente desta CA constituída por lacaios do regime durante o mandato foi eleição de Salazar para sócio honorário nº 1 do sindicato, a 7 de Junho de 1941.
Esta contestação interna às direcções corporativas, com altos e baixos, nunca deixou de existir no sindicato ao longo dos 48 anos de regime fascista.
Em Janeiro de 1945, já o exército vermelho tinha derrotado a “besta na nazi” em Estalinegrado e vinha em direcção a Berlim, os trabalhadores iniciaram um conjunto de grandes assembleias, que após manipulações diversas culminaram na eleição de uma direcção da sua confiança. A primeira, realizada dia 18 de Janeiro na sede da Associação de Socorros Mútuos dos Empregados do Comércio, teve a presença de 700 trabalhadores, e após viva contestação da direcção cessante a AG transformou-se em assembleia eleitoral a que concorreram duas listas, uma de oposição outra afecta ao regime. A lista fascista obteve 12 votos, apenas mais um do que o número de elementos da lista.
Mesmo assim o Governo tentou nova manobra e com o argumento de supostas irregularidade obriga à repetição das eleições que se realizam em Maio, tendo ganho de novo a lista dos trabalhadores. Só 4 meses depois, em Agosto, o regime sancionou a direcção. Os dirigentes sindicais que deram alma a esta luta sindical anti-fascista foram os activistas dos sindicatos dissolvidos em 1934. Nomeadamente José Pinho Ribeiro e Aleu Rocha, últimos presidentes dos sindicatos da indústria hoteleiras e dos culinários, respectivamente.
O sindicato foi um dos 50 sindicatos onde direcções anti-fascistas lograram ganhar as eleições em 1945, aproveitando o abanão provocado no regime pela derrota dos seus amigos Hitler e Mussolini na II Guerra Mundial. Para não se sujeitar a derrotas maiores em 1946, os mandatos eram então apenas de um ano, o Governo alarga para 3 anos os mandatos de todas as direcções que se encontravam em exercício. É assim que esta direcção acaba por estar até 1948, ano em que concorreram três listas às eleições de 2 de Fevereiro. Pinho Ribeiro (socialista) e Aleu Rocha (comunista) concorreram em listas diferentes mas foram ambos os mais votados (as listas eram abertas) e continuaram, o primeiro na direcção e o segundo como presidente da MAG. O governo não homologou alguns dos eleitos por alegada falta de idoneidade, pelo que apenas em Dezembro tomaram posse os corpos gerentes eleitos.
Nas eleições seguintes inicia-se um processo rocambolesco de chapeladas e contra-chapeladas feitas pelos elementos afectos ao regime, processo que origina assembleias e contestações sucessivas que paralisaram o sindicato e obrigaram a que a direcção cessante se mantivesse em funções contra a sua própria vontade até o conflito ser resolvido. Finalmente, em eleições realizadas a 24 de Fevereiro de 1954 concorrem 4 listas, e Manuel Mendes Leite Júnior, ex-presidente da CA nomeada pelo governo em 1937, obtém mais 1 voto do que Pinho Ribeiro. É este homem que vai estar à frente do sindicato durante 20 anos, como presidente da direcção, até ser escorraçado do sindicato por mais de um milhar de trabalhadores no dia 29 de Abril de 1974.
Leite júnior é um convicto apoiante do fascismo, que lhe retribui o apoio. Em 1959 é designado para a direcção da corporação dos transportes e turismo, e pouco depois procurador à câmara corporativa. Em 1968, Marcelo Caetano nomeia-o para «agregado do Conselho da Presidência (do conselho de ministros) para tomar parte na feitura da nova lei sindical» (corporativa).
Embora se tivesse esbatido nos anos cinquenta e inicio dos sessenta, a luta sindical anti-fascista dentro do sindicato nunca se apagou completamente. Teve grande intensidade nos anos trinta e quarenta, e voltou a reacender-se de forma organizada em 1970. Apenas há conhecimento do envolvimento de dois militantes comunistas nesta oposição ao corporativismo sindical, o cozinheiro Aleu Rocha, que já era dirigente sindical em 1930, e Bento Árias, barman, que iniciou participação activa nas assembleias nos anos cinquenta e esteve na base da constituição de uma comissão sindical em 1970, comissão que desenvolveria actividade até ao 25 de Abril. Apesar da influência orgânica aparentemente débil, a orientação política do PCP para se lutar dentro dos sindicatos fascistas também aqui deu os seus frutos.
Em 17 de Março de 1971, mais de uma centena de trabalhadores apareceram inesperadamente no sindicato, numa reunião convocada por telegrama apenas para alguns trabalhadores. Nesta reunião, os trabalhadores rejeitaram a proposta do patronato de se trocar o direito à alimentação por dinheiro, e criticaram vivamente a direcção, que ameaçou veladamente os presentes com a polícia política.
Por esta ocasião, a comissão sindical que se propunha impugnar a direcção fascista já havia recolhido centenas de assinaturas para o efeito, e reuniam diariamente entre as 15h30 e as 18h00, na Leitaria “Camponesa”, Rua dos Sapateiros, nº 155, onde dezenas de trabalhadores acorriam para subscrever o “abaixo-assinado”, obter informações sobre o CCT, em vez de irem ao sindicato, e entregar dinheiro à comissão para que esta pudesse desenvolver o seu trabalho. Além do já referido Bento Árias, entre outros faziam parte desta comissão, Matilde Graça de Jesus, empregada de quartos, e Américo Nunes, recepcionista, ambos trabalhadores do Hotel Tivoli. Os dois vieram a ter papel relevante na direcção do sindicato a seguir ao 25 de Abril. O Américo fez parte da comissão directiva provisória eleita ad-hoc pelos trabalhadores no dia 29 de Abril, e a Matilde foi a presidente da direcção, e o Américo 1ºsecretáo, após as eleições por voto directo e secretas realizadas em 30 de Julho de 1974, a que concorreram duas listas.
Do 25 de Abril à actualidade
A 29 de Abril de 1974, quatro dias após o golpe militar dos capitães de Abril, mais de mil trabalhadores invadem a sede do sindicato no Pátio da Salema, concentram-se em redor do edifício, por não caberem todos lá dentro, e elegem por aclamação uma comissão directiva provisória. Serão dois dos elementos desta comissão, Carlos Amorim e Américo Nunes, que logo no dia seguinte, 30 de Abril, vão estar presentes na reunião convocada pelo general Spínola para a Cova da Moura, onde compareceram cerca de 200 dirigentes sindicais, no primeiro contacto da Junta de Salvação Nacional com o movimento sindical. A comissão provisória eleita pelos trabalhadores que acorreram ao sindicato dia 29, virá a ser de novo ratificada por unanimidade e aclamação em reunião manga convocada por o efeito, a 2 de Maio, onde de novo mais de dois mil trabalhadores ratificam também o programa desta comissão, para três meses.
Deste programa de 12 pontos, executado quase na totalidade nos três meses que se propunha, destacamos apenas a título de exemplo: a) a reposição de todas as liberdades individuais; b) aumento imediato dos salários e instituição do s.m.n; c)liberdade de reunião, de associação e de greve; d) administração da previdência exclusivamente pelos trabalhadores; segurança social para desemprego não voluntário; filiação na Intersindical.
No dia 1 de Maio, apelámos ao encerramento de todos os estabelecimentos hoteleiros, o que aconteceu, e milhares de trabalhadores vieram para rua, muitos deles concentrando-se junto à sede do sindicato, para onde os convocáramos, e partindo dali para a Alameda D. Afonso Henriques, onde nos juntámos à mole humana que ajudou a impulsionar o golpe militar dos capitães para uma revolução de carácter progressista.
Participámos activamente no primeiro plenário da Intersindical a nível nacional, em 10 e 11 de Maio. No dia 27, por iniciativa nosso sindicato teve lugar em Lisboa uma reunião dos sindicatos e das secções distritais no âmbito geográfico que vai de Coimbra ao Algarve, reunião em que a maior parte do tempo foi tomado pela discussão organizativa, “sindicato único” ou federação de sindicatos a nível nacional. A discussão ficou adiada e no dia 8 de Agosto seguinte depois de mais duas reuniões de discussão foi decidido fundir as duas federações existentes, norte e sul e ilhas, numa “federação nacional” fusão que só viria a ser formalizada em 7 de Dezembro de 1977, com a aprovação dos estatutos. Todavia, os sindicatos do sector passaram a reunir regularmente em Lisboa por convocatória deste sindicato. Em Junho, as reivindicações foram uniformizadas para todo o continente.
Ainda em Maio, ocorreu a primeira greve depois de Abril com impacto público e alguma duração, nas “Galerias Monumental” (Ritz) snack-bar moderno, com 120 trabalhadores. Uma luta provocada pela questão mais conflituosa entre trabalhadores e patronato de hotelaria desde o final da monarquia até aos anos 30 do século XX. A apropriação das gorjetas dadas pelos clientes, por parte dos patrões. Neste caso, de forma mais sofisticada. O dono das galerias garantia um salário mínimo aos trabalhadores, e estes eram obrigados a colocar as gratificações num saco fechado a cadeado controlado por ele, e no fim do mês pagava dali os salários e ainda ficava com o remanescente. A greve terminou com a vitória dos trabalhadores e com os resquícios desta prática ancestral de latrocínio.
Na primeira reunião de delegados sindicais e membros de comissões eleitos depois do 25 de Abril, realizada a 7 de Junho, participaram representantes de 26 comissões em hotéis, 25 de cafés e restaurantes, 23 de cantinas, e de comissões regionais eleitas em Loures e em Sesimbra, num total de mais de 100 presenças.
De Junho à a primeira quinzena de Julho foram negociados com as associações patronais, acordos a consagrar as reivindicações apresentadas, Um avanço sem precedentes nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores e suas famílias. Inicialmente de aplicação apenas ao âmbito geográfico do sindicato do sul, os acordos foram estendidos através da luta a todo o continente, até ao fim do ano.
A 18 de Junho, com o coliseu dos recreios repleto, foram aprovadas as alterações aos estatutos do sindicato necessárias a eleições por voto directo e secreto para os corpos gerentes. As eleições realizaram-se a31 de Julho, data em que o programa da comissão directiva, para três meses, ficou cumprido na sua quase totalidade. Concorreram duas listas, A e B, tendo ganho a lisa A, por 76, 6% dos votos expressos. Do ponto de vista político e ideológico, diferenciavam-se em função do seu posicionamento relativamente à Intersindical. A lista A defendia com entusiasmo a filiação na central sindical, a B, tinha reservas… Enquanto na comissão directiva não eram detectáveis elementos filiados em partidos, nos corpos gerentes ora eleitos, era possível identificar três militantes do PCP, em 17 elementos. E, no fim do mandato de dois anos, os militantes do partido já eram 10 ou 11, um era do CDS, e os restantes, não tinham filiação partidária. A politica sindical unitária promovida pelo PCP era de tal modo aglutinadora, que de inicio apenas correntes esquerdistas ultra minoritárias no movimento sindical se arriscavam a combate-la, sem sucesso.
No seu programa de acção, além dos objectivos reivindicativos, a direcção eleita afirmava: «teremos sempre presente ao desencadearmos acções de luta que é absolutamente necessário que as liberdades e conquistas sejam alargadas e consolidadas, para que a democracia fique definitivamente implantada em Portugal.»
Em 1 de Setembro sai o nº 1 do jornal “UNILUTA” órgão do sindicato, cujo nome, a aglutinação das palavras unidade e luta é todo um programa sindical no contexto revolucionário. O seu director era Amadeu Esteves Caronho, da direcção e chefe de mesa no “Maxime.”
No dia 27 e 28 de Setembro a sede do sindicato fervilhou dia e noite com centenas de activistas e trabalhadores que ali afluíam respondendo ao apelo da Intersindical para barrar a vinda da reacção em direcção a Lisboa. Dali os trabalhadores eram enviados para as “barreiras” colocadas nos mais diversos acessos à capital a fim de se oporem à manifestação da chamada “maioria silenciosa” de apoio ao golpe do general Spínola.
A 28 de Novembro os trabalhadores da Pousada de Santa Isabel em Estremoz, sanearam o director, elegeram uma CT e entraram em autogestão. Segue-se o abandono dos concessionários das restantes pousadas do Estado, mais de trinta, que passam a ser geridas pelos trabalhadores através de CTs e onde isso não foi possível por profissionais qualificados recrutados pelo sindicato em regime de comissão de serviço, para o fazerem, de acordo com os trabalhadores.
Até meados de 1975 há centenas de empresas abandonadas pelo patronato que passam a ser geridas em regra desta forma, e na sua generalidade porque a manutenção dos postos de trabalho e o pagamento de salários exigia esta forma de gestão. Destacam-se a título de exemplo apenas algumas que por uma ou outra razão tiveram mais impacto público e político. O grupo Grão Pará, os hotéis Ritz, e Sheraton em Lisboa, o Baía em Cascais, o Alvor, Balaia, Eva, Touring Club, no Algarve, e a Torralta, de implantação nacional, com cerca de 4 mil trabalhadores, e 10 mil camas. Esta, e algumas outras, foram intervencionadas pelo Estado e só foram geridas directamente pelos trabalhadores enquanto não foram nomeadas pelo governo comissões administrativas. Cerca de 80% da hotelaria no Algarve chegou a estar intervencionada e gerida pelos trabalhadores directamente ou com controlo de gestão. Algumas grandes empresas como a sociedade Estoril Sol, detentora de casinos e hotéis, mantiveram nelas as administrações, mas as Cts tinham uma palavra a decisiva a dar na sua gestão. Todas elas foram devolvidas ao patronato na década de oitenta, após o regresso da reacção e do patronado, que em muitos se apoderou de avultados lucros acumulados durante a gestão dos trabalhadores. As Pousadas do Estado deram origem a uma empresa pública, a ENATUR, constituída em 1977, que originou enormes rendimentos que proporcionaram o alargamento do número de pousadas e a consequente recuperação e preservação do património histórico onde eram foram instaladas. Foi dada à exploração do sector privado no dealbar do ano 2000.
O prestígio dos sindicatos subiu em flecha logo nos primeiros meses após o 25 de Abril. Centenas de trabalhadores entravam diariamente nas sedes, a pedir informações sobre direitos, ajuda nos conflitos que surgiam por todo o lado, a sindicalizar-se, a solicitar a eleição de delegados nas empresas. Entre 1 de Agosto e 1 de Novembro de 1974, sindicalizaram-se 838 novos trabalhadores sindicato de hotelaria de Lisboa. Os trabalhadores participavam aos milhares nas assembleias do sindicato e nos plenários de local de trabalho a participação era quase total, em todos; a posição do sindicato em defesa da unicidade foi aprovada por unanimidade em assembleia de 15 de Novembro; Em Fevereiro de 1975, eram 35 mil os sócios do sindicato de Lisboa, os delegados sindicais eram já mais de mil; neste mesmo mês, na conferência unitária de trabalhadores convocada pela Intersindical realizada em Lisboa, com alguns milhares de delegados, participaram mais de 200 representantes de trabalhadores de hotelaria; Mais de 80% destes delegados eram homens e mulheres sem filiação partidária, mas o PCP era hegemónico na sua influência; o PS tinha alguns militantes entre eles que em regra alinhavam com as posições unitárias dos comunistas; UDP, MRRP, LCI, juntos, tinham 14, que se faziam sentir nas assembleias mais pelo barulho das suas intervenções do que pelo número. Na AG para aprovação de estatutos em conformidade com o Dec Lei 215/B/75, lei sindical, aprovados por grande maioria, registaram-se no livro de presenças 2 570 sócios, mas os presentes seriam mais de 4 mil, num coliseu dos recreios repleto que nem um ovo. A 25, 26 e 27 de Julho de 1975, participámos com 8 delegados no I congresso da Intersindical, e o dirigente Américo Nunes foi eleito membro suplente do seu secretariado.
Na véspera do golpe militar de 25 de Novembro o sindicato respondeu ao apelo de mobilização feito pelo Intersindical, mas desta vez foi a reacção a vencer. O sindicato foi um dos que são nomeados no inquérito oficial aos acontecimentos. A 4 de Dezembro, a sede do sindicato foi alvo de um mandato de busca por parte duma patrulha da PSP para «proceder à busca, seguida de apreensão de quaisquer armas ou material de guerra que possam encontrar no Pátio do Salema, nº 4, onde funciona o sindicato de hotelaria de Lisboa»[6]
Logo após o golpe militar que inverteu o curso da revolução, a intersindical inicia uma viragem táctica com a preparação do seu II congresso, que visou no fundamental reforçar-se, alargando a unidade sindical e entre os trabalhadores. Ao mesmo tempo, respondia ao movimento divisionista iniciado com a Carta Aberta-CA, apoiado pela CISL, a social-democracia internacional, os sindicatos norte-americanos, e toda a direita política portuguesa, do PS ao CDS, MRRP e à AOC, cujo objectivo declarado, pela voz do ministro do trabalho socialista, era “partir a espinha” à Intersindical. Movimento que viria a culminar na criação da UGT em finais de 1978.
Em eleições realizadas a 10 de Novembro de 1976, o nosso sindicato foi um dos primeiros a ser objecto do cisionismo, através de um dos métodos anti-democráticos mais utilizados que caracterizou a actuação deste movimento. Merece a pena explicitar um pouco. Concorreram 4 listas. Uma apresentada pela direcção cessante, a lista A, unitária, com elementos afectos ao PCP, PS, e independentes; uma constituída quase exclusivamente com militantes do PS, a lista B; uma afecta à UDP e independentes, a C; outra, ao MRPP, a D. Os resultados finais, com mesas de voto apenas na sede do sindicato em Lisboa, em Cascais, e nas delegações dos restantes 5 distritos foram os seguintes: 7367 sócios votantes, 60,2% na lista A; 31% na B; 5% na C, e 2,8% na D.
Pois esta lição de democracia e de pluralismo interno não chegou para satisfazer os paladinos do pluralismo sindical e do chamado «socialismo democrático». Levaram apenas alguns militantes do PS. A maioria mantivera-se no sindicato, bem como os elementos afectos aos outros partidos. Mesmo assim, o núcleo activo dos socialistas derrotados nas eleições constituiu o SINDHAT, “sindicato democrático da hotelaria alimentação e turismo, com menos representatividade do que “os nacional sindicalistas” afectos a fascismo, que provocaram a cisão em 1931, utilizando o mesmo método. Sindicato paralelo que serviu no entanto para em conluio com o patronato, através de CCTs “fantoche” começar a corroer algumas das conquistas alcançadas pelos trabalhadores, e foi um dos fundadores UGT, organização divisionista do mesmo cariz, a nível nacional.
O sindicato participou intensamente na preparação de Congresso de Todos os Sindicatos (II) da Intersindical, também referido justamente como “congresso da Unidade”. A Alice Rocha, presidente do conselho fiscal do sindicato, também membro prestigiado da CT da multinacional Marriott, activa militante do PS mas defensora da Intersindical como central única, foi eleita para o secretariado da CGTP-INTERSINDICAL NACIONAL. Veio a ser responsável do departamento de mulheres da central durante dois mandatos.
Até aos dias de hoje temos sido membros activos da CGTP-IN em todos os planos. Nas lutas, na defesa e construção da unidade entre os trabalhadores, na dotação de quadros dirigentes para o seus órgãos centrais e nos das suas estruturas intermédias regionais e sectoriais, no seu financiamento, e na aplicação dos seus princípios, objectivos e orientações.
[6]Mandato de busca da PSP do comando distrital de Lisboa, de 4 de Dezembro de 1975.
Lisboa, 22 de Outubro de 2011
Estudada e vista a história por períodos longos, não é difícil ser optimista e concluir por um voto de confiança e de esperança na caminhada da sociedade humana. Também que vale sempre a pena lutar. A roda da história tem até hoje rodado no sentido do progresso.[7]
Américo Nunes
[7] Para a elaboração deste trabalho foram utilizados como fontes os meus livros, Diálogo com a História Sindical – de criados domésticos a trabalhadores assalariados, Edições Avante – colecção resistência, Lisboa 2007, Sindicalismo na Revolução de Abril – Memórias, Edições Avante – colecção resistência, Lisboa, 2010. E a brochura, HISTÓRIA DO SINDICATO – (1908 – 1975) Da fundação à revolução do 25 de Abril, edição do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e similares do Sul, Lisboa, Novembro de 2008.