- A história de um processo
Cristina Tavares foi despedida uma primeira vez, em 2017, alegadamente por ter exercido os seus direitos de assistência à família.
O Tribunal considerou o despedimento ilegal e determinou a sua reintegração.
Voltou a ser despedida dois anos depois. A Administração da Fernando Couto acusou-a de difamação, depois da opinião pública ter conhecimento que a empresa a desconsiderava e humilhava há meses, ao obrigá-la a desempenhar tarefas improdutivas. Uma situação confirmada pela Autoridade das Condições de Trabalho (ACT) que originou o levantamento de um auto e aplicação de uma coima à empresa.
Em Junho de 2019, confrontada com as provas inequívocas de assédio laboral que a comprometia, a empresa aceitou voltar a reintegrar Cristina Tavares antes do início do julgamento que visava impugnar o segundo despedimento.
Este caso originou também duas contra-ordenações da ACT, por assédio moral e violação de regras de segurança e saúde no trabalho, tendo sido aplicadas coimas no valor global de cerca de 37 mil euros, que a empresa recusou pagar ao Estado. Recorreu e a seguir perdeu os recursos que apresentou no Tribunal de Trabalho, na Relação e no Tribunal Constitucional.
A trabalhadora instaurou uma acção visando o pagamento de uma indemnização por danos sofridos pela prática de assédio laboral, mas em Julho de 2021, inexplicavelmente, o Tribunal da Relação do Porto absolveu a empresa desse pagamento.
Por isso, manifestámos a nossa total discordância e contestámos a decisão da Relação que na prática protegia o agressor – a empresa – e penalizava a vítima de assédio – a trabalhadora – com graves implicações na sua saúde, no plano físico e psicológico.
A trabalhadora não aceitou, recorreu e venceu!
Num processo que já vai longo, a trabalhadora viu, finalmente reconhecido o seu direito a uma indemnização por danos causados pelo assédio laboral, o que foi permitido pelo recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), para o qual tinha recorrido.
O STJ entendeu ainda que a indemnização deveria ser referente ao período do segundo despedimento – 10 de Janeiro de 2019 até 1 de Julho do mesmo ano – data da reintegração da trabalhadora.
Este acórdão do STJ, de Outubro de 2022, contraria a sentença do Tribunal da Relação do Porto (TRP), de Julho de 2021, devolvendo a definição do valor da compensação ao Tribunal do Trabalho de Santa Maria da Feira que a fixou agora, em Janeiro de 2023, em 5 mil euros.
- A razão venceu a opressão!
Desde o início que Cristina Tavares sempre defendeu o seu posto de trabalho e rejeitou sucessivas propostas de rescisão do contrato.
Sempre afirmou e comprovou que o seu posto de trabalho não tinha sido extinto, que não abdicava do emprego a troco de dinheiro e que não desistia até que a justiça lhe desse razão face à situação de assédio laboral a que foi sujeita.
Ao longo destes seis anos, Cristina Tavares não esmoreceu nem desistiu de defender a sua dignidade enquanto mulher, trabalhadora e mãe. Manteve-se firme e resistiu corajosamente às insinuações, às pressões e ao desgaste psicológico que esteve subjacente a um processo desta natureza.
Acreditou, resistiu, lutou e ganhou.
E hoje continua a desempenhar as suas funções na empresa.
- É preciso ir mais além no combate ao assédio laboral
Este caso, que se transformou numa causa contra o assédio traz de novo para a ordem do dia um problema laboral que continua a afectar milhares de trabalhadores, na sua maioria mulheres e que reclama, entre outras, alterações legislativas céleres e eficazes.
É tempo do Governo assumir as suas responsabilidades e passar da constatação à acção!
É necessário que a prática de assédio laboral seja considerada crime integrado no Código Penal, pois estamos perante situações de efectiva violência e agressão à integridade física e psicológica das vítimas.
É imperioso que se proceda à inversão do ónus da prova para todo e qualquer tipo de assédio e não apenas quando fundado em factores de discriminação.
É fundamental criar um sistema eficaz de protecção das testemunhas, que contribua para facilitar os meios de prova nos casos de assédio laboral.
É urgente a regulamentação das doenças profissionais derivadas do assédio laboral.
E já é mais do que tempo do Governo ratificar a Convenção 190.ª da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho, aprovada em 21 de Junho 2019. É que não basta falar, é preciso aplicar!
O combate ao assédio laboral é uma exigência de todos os que lutam pela defesa da dignidade dos trabalhadores, do trabalho com direitos e da humanização das relações laborais.
Santa Maria de Lamas, 16 de Janeiro de 2023